Resumo:
Neste
artigo iremos tratar sobre a língua latina concomitantemente com sua
literatura. Para nortear nossos estudos, o autor escolhido é Fedro, que sem
dúvida é um importante fabulista a ser estudado, por ser pioneiro quando
pensamos em textos com cunho moral. Todavia cabe ressaltar que o propósito
maior aqui são os estudos da língua latina bem como as influências que mais
tarde veremos em nossa língua.
Introdução:
O intuito
deste estudo é propor uma ampla visão sobre a obra de Fedro – Fabulas – que é o
seu trabalho principal, obra esta que possui todas as suas fábulas (123);
também trará informações sobre sua vida, outras obras, contexto histórico em
que viveu a análise do texto latino e as traduções do Latim para o Português e
por fim refletir sobre sua influência em nossa literatura de forma a
intertextulizar sua obra com a literatura Portuguesa.
Para
falar de Fedro e estudá-lo com criteriosidade será necessário antes de tudo
explicar brevemente seu pensamento, suas influências para que a leitura seja cadenciada,
cumprindo assim com o principal objetivo do estudo; resgatar e aguçar no leitor
a busca por suas origens, começando pela “língua”, incitar e dar oportunidade a
diferentes públicos de conhecer o Latim não só por meio de uma metodologia
muita das vezes fatigante e sim mesclar o estudo da língua com as
conscientizadoras fábulas de Fedro (utilizava-se do latim).
Um pouco sobre Fedro:

Embora um tanto escassas as fontes acerca da vida de Fedro vamos agora nos familiarizar sobre a vida do autor. Tito Túlio Fedro nasceu na Trácia, perto de Macedônia, cerca de vinte anos antes de Cristo, ou seja, no 22º do Império de Augusto. Transferido para Roma, ali, serviu como escravo do Imperador que lhe facultou, logo, a regalia de liberto, além de proporciona-lhe oportunidade para o aperfeiçoamento no domínio do idioma latino e da arte literária. Em razão disso, o ex-escravo se denomina o liberto de Augusto: “Augusti libertus”.
Após a
morte de Augusto, Fedro sofreu violenta perseguição por parte de indivíduos de
alta posição política tal como o Lúcio Sejano. Sendo assessor imediato de
Tibério, Sejano conseguiu após tumultuado processo, o decreto de exílio contra
Fedro que faleceu, na miséria, com 64 anos, cerca de 44 da era
cristã.
Seu acervo divide-se entre
fabulas e algumas poesias de sua autoria, embora o cerne de
suas obras sejam as fábulas, estas são 123 que estão divididas em 5 livros.
Pensamento Fedriano e Poesia didática
Antes de
inclinar nossos estudos sobre o que influenciou os pensamentos de Fedro,
trataremos de discorrer sobre a poesia didática e suas implicações, sim,há uma poesia didática!
Sempre
que pensamos em poesia (2003, p. 102), logo nos vem à mente aquele texto belo,
que tem um sentimentalismo característico e que por meio dela nos transcende a
outras dimensões, e não um texto que tem como “objetivo” nos passar um denso
conhecimento, que indubitavelmente já nos remete a uma metodologia, a uma
didática. No entanto a poesia neste momento histórico tanto em Roma quanto na
Grécia eram frequentemente usadas, e seus versos tem uma estrutura
indiscutivelmente metódica, no livro A literatura Latina - Zélia de Almeida
Cardoso a autora explica que os gregos eram extremamente práticos e pragmáticos
ao se expressarem, sendo assim logo se apropriaram desta metodologia dando a
ela uma utilidade.
Dito isto
agora falaremos um pouco sobre o pensamento fedriano. Fedro foi influenciado
por Esopo que viveu séculos antes dele, Fedro quando era criança escutava as
fabulas de Esopo, o que mais tarde seria indiscutivelmente sua inspiração.
O autor
tem como característica principal escrever fábulas cujo cunho moral é
fortemente exaltado, ele também prima por descrever a ética da sociedade de sua
época e desta forma da margem a analise ético-moral, Fedro faz com que seu
leitor reflita sobre a sociedade e sobre seu próprio agir perante ela. O ponto
de interação entre a didática e as fábulas de Fedro é justamente o estilo que o
mesmo empregava em suas fabulas, estas eram compostas por versos com os estilos
métricos iâmbicos e jâmbicos, tal metodologia corrobora para nosso entendimento
quanto o emprego da didática.
Da imersão no Latim as suas traduções
Dado um determinado grupo de palavras
administradas por regras sintáticas, constituem-se então as frases. Tais frases
são ordenadamente construídas por elementos, estes elementos no Latim são
chamados de casos. No Latim teremos então 6 casos, são eles:
I.
Nominativo
II. Vocativo
III. Genitivo
IV. Dativo
V. Ablativo
VI. Acusativo
Trataremos agora então de explicar brevemente as
particularidades de cada “Caso” com o intuito de inserir o leitor na língua
latina bem como salientar que o Latim serviu de subsídio para a estrutura da
língua Portuguesa.
Nominativo – Quando falamos em nominativo falaremos também sobre
verbos. O correspondente do nominativo na língua portuguesa é o Sujeito. Em uma
oração toda palavra que indicar ação será sempre o verbo, por exemplo, “João pintou
a casa”, o verbo desta oração é pintar. Dito isso agora falaremos do
nominativo – sujeito, que nada mais é que o agente desta ação, aquele que
pratica a ação na oração, no nosso exemplo o sujeito então é o João.
Vocativo – Este caso tem a função de indicar na oração um apelo, um
chamado. Quando vemos uma mãe dizendo: “Filho, venha cá” – a palavra filho
neste caso está nos indicando um apelo, aquele que esta sendo chamado. O
vocativo pode estar no começo, meio ou final de frase, mas sempre será indicado
/ separado por vírgulas.
Genitivo – O genitivo tem a função de restringir um determinado
nome. No português veremos este “Caso”, porém o nome adotado é adjunto
adnominal restritivo. Para entendermos melhor vejamos agora o seguinte exemplo:
“As fábulas de Fedro”, - As fábulas poderiam ser de Esopo, de La Fontaine,
etc., mas ao dizer “As fábulas de Fedro” restringimos a palavra Fábulas.
Portanto ao mesmo tempo em que, de Fedro, esta possibilitando a completude da
palavra fábulas, também esta restringindo-a.
Dativo – Neste caso o termo tem a função de complementar dando
sentido ao verbo. No português reconhecemos este “caso” como sendo objeto
indireto, pois necessita de preposição (a ou para). Exemplo: Vós doais para as
meninas as coroas de rosas, nesta frase “para as meninas” exerce a função de
dativo / objeto indireto, do latim puellis – 1ª declinação /dativo plural.
Ablativo – O ablativo tem a função de indicar circunstâncias, este
caso é utilizado quando o verbo não precisa necessariamente de um complemento
por ser intransitivo, mas que podemos acrescentar ai uma circunstância de
lugar, por exemplo: “Maria nasceu em São Paulo”, a expressão “em São Paulo”,
constituirá o ablativo que no português reconheceremos como adjunto adverbial.
Acusativo – Este caso assemelha-se ao dativo só que aqui ao
complementar o verbo não é preciso utilizar preposição. No português este
“caso” é conhecido como objeto direto. Exemplo: Onde levam as rosas? , nesta
frase “as rosas” exerce a função de dativo / objeto direto, do latim rosas – 1ª
declinação / acusativo plural. ,
No Latim o conjunto de casos
acima explicados é conhecido como declinação. Declinar significa enumerar os
seis casos já estudos, tanto no singular quanto no plural. Estas diversas
formas possibilitam o leitor reconhecer a determinada função que aquela palavra
exerce naquela oração. Em latim é possível declinarmos os substantivos, os
adjetivos e os pronomes. No latim existem cinco modos de declinações.
Agora que discorremos um pouco a respeito dos
casos, trataremos de traduzir um fragmento da fábula “A serpente nociva ao seu
benfeitor” e explicar em qual caso cada palavra se encaixa, bem como qual
declinação a mesma ocupa ou se esta palavra é um verbo:
“Qui / fert / auxilium / malis / post / tempus / dolet”.
“Quem presta auxilio aos maus
arrepende-se tardiamente”.
Vocabulário comentado / adaptado:
Qui – Quem
Fert – Significa prestar, aquele
que presta algo.
Malis – que significa mau,
palavra da segunda declinação (Malus, a, um).
Auxilium – Significa auxilio,
socorro, ajuda.
Post – Após de, após algo
Tempus - Significa tempo (Tempus,
oris).
Dolet - Vem do verbo dolere, originou-se de dolor - Sofrer, afligir
Dolet - Vem do verbo dolere, originou-se de dolor - Sofrer, afligir
Propomos agora, pensarmos um
pouco quanto à estrutura desta frase. Quem - é o sujeito da frase (nominativo),
neste caso é um sujeito indefinido. Seguimos o estudo com o verbo “prestar”,
logo pensamos que quem presta, presta algo, mas o quê e para quem? Para
completar então o sentido, para qualificar o sujeito indefinido “Quem”, falamos
agora da palavra “Auxilium” que nesta frase esta ligada ao sujeito / nominativo,
portanto é o predicativo do sujeito. E a palavra “malis” que é ablativo plural
da segunda declinação, terminação is – aos maus, pelos maus, com os maus é como
se Fedro nos falasse “Diga-me com quem andas e lhe direi quem és” (novamente o
aspecto moralizante se sobressai). No caso desta frase o ablativo esta dando
uma intenção de estar junto com, caminhando com. No fragmento destacado as
palavras post tempus se juntam dando assim um novo sentido, um
novo significado que é tardiamente e por fim o verbo principal da oração
dolet, do latim dolor.
Fernando Portela x Fedro
Existem certos traços literários
que percorrem esta longínqua linha do tempo, permeando os textos de nossos
escritores contemporâneos. Vejamos então o porquê digo isto. Fernando Portela
é escritor e jornalista, dotado de uma visão extremamente dualista o que
culmina em textos ricos no que tange nossa interpretação. Propomos então a análise das
seguintes fábulas:
Fábula de Fedro: O lobo e o cordeiro
Ao mesmo rio vieram, compelidos
pela sede, o lobo e o cordeiro.
O lobo estava mais acima e o
cordeiro bem mais abaixo. Então o predador, incitado por sua goela maldosa,
encontrou motivo de rixa: “Estou a beber e tu polis a água!”
O lanoso, tímido, responde:
“Como posso fazer isso de que te
queixas, Ó lobo? De ti para meus goles é que o liquido corre.”
Repelido pela força da
verdade, ele replicou:
“Cerca de seis meses atrás,
falaste mal de mim.”
O cordeiro retruca: “Eu? Então eu
sequer era nascido...”
- Por Hércules, teu pai é que me
destratou!
Em seguida, dilacera a presa,
dando-lhe
Escrevi esta fábula por causa
daqueles indivíduos que oprimem os inocentes por razões fictícias.
E agora a fábula de Portela:
Lobo Traficante
A sociedade dos cordeiros
condenou aquele lobo a vinte anos de prisão. Era terrível o seu crime: tráfico
de entorpecentes. Por sua causa, milhares de cordeirinhos destruíram suas
vidas. O lobo era o inimigo público número um.
Vinte anos depois, apesar desse e
de outros lobos-traficantes terem sido presos, a sociedade dos cordeiros estava
mergulhada no vício. Era um problema de segurança nacional. Talvez por isso um
repórter resolveu entrevistar aquele lobo, à saída da penitenciária. Estaria
ele arrependido? Teria consciência do que provocara? Sentia-se injustiçado?
Afinal, a sociedade dos cordeiros
cumprira rigorosamente a lei. Só que alguma coisa estava errada.
Lobos-traficantes eram presos todos os dias, enquanto aumentava o consumo de
drogas. Qual a opinião de um lobo que pagou vinte anos por um dos piores crimes
contra a humanidade?
— Você quer mesmo saber? — foi
logo falando o lobo. — O problema não se restringe a mim nem aos que me
seguiram nessa profissão. Eu cometi parte do crime, reconheço, comercializando
um produto proibido…
— E quem cometeu a outra parte? —
indagou o repórter, ele próprio irritado com a desfaçatez do lobo.
— Ora, a sociedade dos cordeiros! — afirmou o lobo. Acaso
fui eu que provoquei a corrida ao tóxico? Como seria possível eu me tornar um
traficante se não houvesse procura do meu produto?
“Isso faz sentido”, pensou o repórter. E arriscou outra
pergunta:
— Como a sociedade dos cordeiros poderia ter evitado tudo
isso?
— Ora, pergunte a ela, respondeu o lobo. Mas dificilmente a
sociedade dos cordeiros concordará que tem parte dessa culpa. Para isso, seria
necessário que cada cordeiro, em particular, meditasse sobre sua própria vida e
o que considera melhor para o seu rebanho. Mas você sabe que meditar, refletir,
ponderar e se autoanalisar é muito difícil, quando há tantos lobos à disposição
para assumir todas as culpas.
Quando a entrevista com o lobo-traficante foi publicada, a sociedade
dos cordeiros reagiu: os lobos são criminosos irrecuperáveis, cínicos,
arrogantes e diversionistas.
Para eles, só mesmo a pena de morte.
É possível notarmos em ambos os casos, que o lobo
representa o arquétipo do vilão, que tenta de toda e qualquer forma reverter à
situação em seu benefício. Fedro expõe de forma clara em sua fábula este
intento, visto que em diversos momentos da mesma a ideia é reforçada, através do
discurso persuasivo da culpa do cordeiro.
Em contra partida, ao desenrolar da fábula de Fernando
Portela o autor nos faz quase acreditar na inocência do lobo, levando-nos á
incógnita, será?
Podemos entender então, que o
mundo das ideias é vasto, porém, alguns casos se repetem, pois são baseados em
preceitos humanos que sempre existiram e sempre irão existir. Perceber o quão
palpável é esta atemporalidade é sem sombra de dúvida uma experiência
estarrecedora.
Fontes:
Fábulas – FEDRO, Tito Túlio – 2ª edição, 2008, Editora
Escala, tradução – FERRACINE, Luiz
A Literatura Latina - CARDOSO, Zélia de Almeida - 3º edição,
2011, Editora WMF
Dicionário
Latino Português – TORRINHA, Francisco, 8ª edição,
Gráficos Reunidos


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